quarta-feira, 10 de março de 2010

“DONA BIA”



De minha infância lembro-me de muitas coisas. Uma delas ocorreu por volta dos anos 91 e 92, onde tinha entre 9 e 10 anos de idade. Morávamos no que chamamos aqui em Recife de “corredor de quartos” que nada mais é do que um cortiço. Diversas famílias moravam lá.

Neste ambiente, conheci pessoas. Muitas das quais tinha muito medo, eram assustadoras, mal humoradas o tempo inteiro, outras eram alegres, mas ainda assim assustadoras. Dentre essas pessoas conheci Dona Bia, ou como gostava de ser chamada: Senhorinha!

Dona Bia já era bastante idosa, não sabia nem a idade [pelo menos era o que dizia], mas falava de lembranças onde seu avô a levava para ver escravos no tronco! Não posso asseverar a verdade disto, mas se ainda podemos encontrar trabalho escravo nos dias de hoje, imagina alguns anos após a pseudo-abolição da escravatura? Mas o que interessa é que Senhorinha tinha por volta de uns cem anos, naquela época.

Ela trazia consigo costumes antigos, por exemplo: mascar fumo; mascar gengibre e, pior, mascar alho; passava o dia inteiro mascando um dente inteiro de alho, um a um. O sabor, para quem experimentou, é terrível!

Eu, não entendia o porquê destes costumes. Certo dia, resolvi questioná-la: “Dona Bia como consegue ficar com esse troço na boca o dia inteiro ainda mais com este gosto terrível?”A simples resposta dela me fez refletir: “mascar alho faz bem ao coração, gengibre a garganta e o fumo mascado cru melhora a circulação”

“Como assim?! Com um gosto ruim desse jeito?”

Por volta de uns 17 anos após aquele período como um todo, percebo a distância que se insurge entre as gerações. Naquela época eu já não tinha esse hábito, nem tampouco fui criado com ele; nem hábitos do gênero.

Minha mãe, por exemplo, lembra com normalidade de práticas semelhantes, mas que com o passar do tempo, em razão de que novos costumes fixados ao sabor e a estética foram surgindo, os velhos desconfortos de alguns costumes mais antigos, por sua simplicidade e naturalidade, fizeram-se desnecessários.

Para quê escovar os dentes com a própria folha do JUÁ, in natura, se dá para fazê-lo com o sabor que nos pareça mais apropriado, menta, uva, hortelã, etc...?
Aprendemos a atribuir nossos próprios sabores à vida. Estamos numa geração que apenas quer se sentir bem, ainda que para isto faça e experimente o que é mal!

Quer saber se de fato algo é bom ou ruim? Não atente para o sabor, mas se ao final fará de você alguém melhor.

Pedir perdão, voltar atrás ao que determinamos e abrir mão de nossa vaidade nos fazendo iguais sempre, não são atitudes saborosas! Nenhumas destas coisas são boas, ou apetecíveis à vista, ao paladar do nosso ego.

Todavia, fazem um bem enorme ao coração daqueles que passam o dia inteiro e todo dia “mascando” o dente de alho da Graça de Deus!

É tudo muito simples, sem sabor, mas com Graça, muita Graça.
Fé, paz, Graça e Vida.

Sem. Maurício Irmão – STCN
Recife, 10 de Março de 2010