(E disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós. Exôdo 3.14)
Se há algo interessante a ser verificado é a variedade de respostas dadas ao questionamento sobre “quem” ou o “que” é Deus. Defrontamo-nos com algumas definições do tipo: “Deus é amor”, “Deus é justiça”, ou ainda, “Deus é Deus”, ou, simplesmente, nos advertem quanto aos riscos que quaisquer pessoas correm ao tentarem adentrar neste tipo de assunto, concluindo que Ele é “mistério” acrescentando: “você vai se queimar”.
Fora do que se pode entender de um pensamento puramente cristão, muitos têm entendido, não por acaso, mas em razão de grande influência das religiões orientais, que Deus não seria uma pessoa, mas uma força ou uma energia. Neste sentido, o que eles negam é a pessoalidade de Deus, afirmando que o criador não seria um ser dotado de personalidade e de sentimentos, mas que simplesmente existe sem saber que existe e muito menos que existimos em sua própria inexistência ou ainda, que involuntariamente nos criou e tudo que nos cerca.
Noutra vertente, parece mais acertado desconsiderá-lo por completo assumindo uma corrente puramente existencialista, afirmando-se “ateus”. Pois é, em se tratando de Deus cada um pensa o que quer.
Embora pareça adequado para alguns pensar sob esta influência, detectamos problemas neste tipo de entendimento. Vejamos: nesta perspectiva, segundo o Rev. Cáio Fábio, se isto fosse verdade estaríamos, enquanto criatura, dois passos à frente de Deus. Ora, se ele é uma energia, e não uma pessoa, então não pode saber que existimos, nem sequer que ele mesmo existe. Entender assim, conforme acentua o Reverendo, parece-nos contraditório.
Não pretendo estabelecer um conceito a Deus e, mesmo que quisesse, reconheço, não conseguiria, ninguém conseguiria. Tampouco, pretendo solapar os posicionamentos aqui trazidos, mas tão somente tecer esclarecimentos não quanto a quem ele é, mas na tentativa de explicar o porquê desta limitação humana de entender Deus, não a partir de uma visão pessoal, mas dentro de uma perspectiva bíblica, sem intencionar “martelar” a última palavra sobre o assunto, em vista da sua complexidade.
Em primeiro lugar cabe salientar que reconhecidamente é difícil falar sobre Deus em termos conceituais. Antecipadamente, posso dizer que nenhum adjetivo, nem os comumente utilizados para expressar a pessoa de Deus são capazes de defini-lo, inclusive os que estão empregados na Bíblia. É impossível “engessá-lo” num conceito humano, talvez por isso não tenha, na Bíblia, um capítulo específico sobre o assunto, mas com certeza por não ser a finalidade da bíblia.
Trata-se de uma questão de linguagem. A linguagem não pretende ser real – ela apenas representa algo – e, mesmo quando a chamamos realista, na verdade o que dizemos é que se encaixa ao que de fato está à nossa volta. Tudo que, por meio das palavras externamos sentido algum teria se não provido de um contexto fático. As palavras que nos adjetivam só conseguem fazê-lo por verificarem ao nosso derredor elementos capazes de dar significado ao que escrevemos ou lemos dentre outras formas de linguagem.
Nestes termos entendemos que à linguagem se impõe uma limitação intrínseca, pois qualquer conceito que tenhamos é mera representação do que vemos ou ouvimos ou até mesmo acreditamos, sendo que em quaisquer dos três – vemos, ouvimos e acreditamos – sempre haverá o nosso emocional “colorindo” as imagens que nossa mente constrói.
Conseguimos expressar o que sentimos porque utilizamos mais do que linguagem. Eis uma das razões que motivam o entendimento de que não há adjetivos para Deus por não ser verificado num contexto igual ao nosso. Se um conceito pudesse compreender tudo que integralmente diz respeito ao objeto, simplesmente, deixaria de ser uma expressão e seria o próprio objeto. O fato é que os adjetivos não podem dar significado nem aos homens nem a Deus.
O primeiro adjetivo dado a Ele no texto bíblico é o de criador: no princípio criou Deus os Céus e a terra (Gn. 1.1.). Podemos dizer que quaisquer atributos (adj) de Deus traduzidos em nossa linguagem resultam desse primeiro ato, o da criação e, portanto, não podem dizer quem ele é. O termo criador a ele atribuído não teria real significado se seu contexto fático se comparasse ao nosso. Não podemos usar um adjetivo humano para Deus e dotá-lo do mesmo significado, em vista do contexto, dado à nossa linguagem.
A nossa expressão, portanto, do atributo de Deus enquanto criador e seus desdobramentos refletem essa nossa limitação, pois, quem Ele é antecede ao que somos. Não podemos, adequadamente, adjetivá-lo; nossos conceitos acerca D’ele não são satisfatórios, sequer há palavras para Ele, pois se houvesse nada justificaria a nossa impossibilidade de conceituá-lo. Redigo que não pretendemos dizer quem Ele é, mas dá significado ao que dizemos Dele.
Não se trata de uma questão normativa, mas essencial. Os adjetivos que empregamos a nós mesmos se submetem à limitação imposta por Deus, não na Lei, mas em seu ato criativo nos diferindo Dele em essência, pois não pretendia criar outro deus, mas quem o adorasse. Se não houvesse estabelecido o bem e o mal e, mesmo assim, criado o homem, simplesmente não seria Deus porque não haveria disparidade entre e criador e criatura, sequer seríamos criatura, mas deuses. O ponto de partida da criação é a diferença que só admite sejamos semelhantes, à sua imagem. Quaisquer adjetivos humanos, portanto, estão abaixo desta diferença conhecida na Lei.
Ora, a diferença entre Deus e o homem não é estabelecida pela ordem dada que não comesse do fruto proibido. A lei, no Éden, apenas mostra o que diferia Adão de Deus e não era propriamente esta diferença, apenas a expressava, enquanto realidade, e cominava uma sanção caso fosse desconsiderada. Neste sentido, o pecado é a transgressão da Lei, não pura e simplesmente por arbitrariedade de Deus, mas por conseqüência lógica da criação. Transgredi-la, implica na desconsideração não só da letra, mas da essência da criação pela letra, refletindo uma inversão de papéis em que o homem, ao desconsiderar a Lei de Deus, mais do que isso, desconsidera a diferença entre ele e o Criador, tornando-se senhor de si mesmo. A letra seria inócua e injusta se não expressasse uma realidade.
Trata-se da sujeição do homem não à lei, mas a Deus por intermédio da lei. De igual modo à Lei, que não estabelece a diferença entre Deus e o homem, mas a expressa, a nossa linguagem está submetida à dualidade que resulta do bem e do mal que se deu ao homem conhecer por intermédio do pecado. Não estou dizendo que a dualidade é resultado da queda, mas que só houve a queda por ser o homem dual. Pura e simplesmente por ser variável, ao contrário de Deus que a ninguém se submete.
Está abaixo da Lei é está abaixo do Bem e do Mal. E Deus não pode se submeter ao bem e ao mal porque assim admitiríamos outro deus acima D'ele. Todo e quaisquer adjetivos, por sua dualidade, estão voltados para o homem que, por sua vez, se vincula à Lei, justificada pela diferença entre Deus e o homem, a saber, o bem e o mal.
Significa dizer que ao homem se impõe um conflito, obedecer ou desobedecer. Ser bom ou ser mal depende do modo como se reage a este conflito. A Deus não se impõe nenhum conflito, pois não há outro DEUS. Só Ele é completo em si mesmo! Admitir que pudesse desconsiderar sua própria lei é o mesmo que deixar de ser Deus, pois seria dual como nós.
Verificamos que nossa impossibilidade em falar sobre Deus e o "medo" que, por vezes, temos de fazê-lo, se justificam na nossa própria natureza. O bem e o mal representam um conflito que não se impõe a Deus. Vimos que ambos são princípios contidos Nele, sem que seja mal ou mesmo bom! Uma coisa ou outra refletem a reação de quem se submete ao conflito. A submissão ao conflito requer a diferença contida na Lei, que não é o conflito, mas que o expressa. A Lei é a expressão de algo que é real: DEUS e o homem são diferentes. Este foi o conflito que antecedeu a queda do homem: ser Deus ou ser homem?
Tudo que se sabe sobre Deus diz respeito à sua imagem: JESUS, O CRISTO. A pouco disse que nem os adjetivos que estão contidos na Bíblia podem definir DEUS adequadamente. Como tudo mais que diz respeito ao homem, a nossa linguagem é dual. A Bíblia, embora inspirada por DEUS –fato que não questiono – é realizada em linguagem humana, logicamente. Portanto, limitada como nós. Ora, se DEUS não se submete ao bem e ao mal, tampouco à nossa linguagem!
Como poderíamos entender que um DEUS que a nada se submete, a quem nenhum conflito se impõe, chamaria de sua palavra letras que se submetem ao conflito da criatura perante o criador. Dizer que a Bíblia é a palavra de Deus é, portanto, reluzi-lo a um de nós ou no mínimo entender equivocadamente o que quer dizer quando se refere à sua palavra. Por isso, utilizou-se de homens para escrevê-la. Estes só puderam atingir tamanha profundidade em razão de haverem sido inspirados por Ele e por vivenciarem a partir da fé o que escreviam.
Assim digo, porque o texto é em linguagem humana, e por assim ser submetido à dualidade que há no homem. Eles expressam, dentro de suas limitações, uma realidade conhecida por poucos. O que dá significado ao texto bíblico é o fato de exprimir uma realidade. As palavras não podem defini-lo porque não são proferidas por Ele. Nenhum adjetivo que admita conflito pode satisfatoriamente definir Deus. Isto quer dizer que nenhum adjetivo pode fazê-lo.
Nossa impossibilidade de conceituar a Deus é puramente essencial e depois lingüística e normativa, pois nossa essência antecede tudo o que nos envolve. Nossa essência nos submete a Deus e depois à sua Lei, pois tudo que Ele é antecede ao que nós somos e não há nada que tenha criado que dê mais significado ao que Ele é. Deus é Deus independente de tudo e de todos!
Conhecê-lo é muito mais que conhecer os escritos bíblicos. Uma relação com Deus está longe de ser uma relação apenas com o texto. A palavra de Deus só admite ser expressa por ele mesmo. Não destituo a Bíblia da sua importância, apenas digo que sua grandeza está em relatar a verdade e não de ser a verdade.
Maurício 13/05/2008